Falando de Marketing

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sexta-feira, junho 22, 2007

O silêncio inefável entre meu computador e eu: a inversão de valores no auto-atendimento

Dia desses me peguei em uma situação engraçada quanto à relação cliente-serviço. Fez-me perceber que foi completamente recompensado todo o esforço das empresas em transferir a nós, clientes, a responsabilidade de realizar por nossa conta parte do serviço que compramos.

Recebi um certo boleto que não me permitia pagá-lo pelo meu banco. Tinha que ser em um banco específico. Só isso já me fez achar aquilo o fim. "Que saco, ter que ir até a agência". Enrolei o máximo de dias que pude e finalmente fui (detalhe: o banco fica no prédio ao lado de onde eu trabalho). Chegando lá, primeiramente tentei mais uma vez perguntar se não havia um jeito de pagar pelo caixa automático. “Não, se não for correntista, não dá.” Ai, tá bom... Entrei na fila e esperei minha vez.

Fui atendida, paguei, o cara digitou umas coisas, passou o papel na maquininha, imprimiu a comprovação de pagamento no boleto e me entregou. Pronto. Agradeci e saí de lá.

De repente, no caminho de volta, um desespero me acometeu. “E se o cara pegar o dinheiro para ele? O que me garante que esse dinheiro vai para a instituição indicada no boleto?” Um segundo depois, comecei a rir. Como é que pode? Uma pessoa esclarecida duvidando de um mero e antiqüíssimo procedimento bancário. Logo identifiquei por quê. Eu me acostumei tanto a fazer tudo pela internet, tudo pelo caixa automático, tudo por conta própria - sem intermediários, digamos assim – que ao invés de me sentir confortada pela presença de uma pessoa na transação, senti-me ameaçada. É a completa inversão de valores.

Eu me lembro quando os bancos começaram a liberar o uso do internet banking. Meu pai, bancário de carreira, foi um dos primeiros a instalar a “versão beta” da coisa na nossa casa. Eu era um tanto nova e ainda não mexia com dinheiro de um jeito “sério” – era só para pagar entrada de show, o cinema, a ida ao shopping – mas fiquei intrigada. Minha mãe não confiava nem um pouco. “Como que eles mexem no teu dinheiro pelo computador? Isso não tem risco?” Ela perguntava. Eu assistia, curiosa. Parecia um segredo, uma coisa que só as pessoas de banco sabiam e poderiam fazer: domar a arte da manipulação de contas pela internet.

Pouco tempo depois minha fonte de renda deixou de ser a conta “TeenCard” em que meu pai depositava um dinheirinho de vez em quando e a euforia por ter alcançado a independência com o dinheiro do estágio durou aproximadamente um mês. É tão mais fácil gastar quando não vem do nosso próprio esforço... Enfim, logo de cara comecei a usar a internet para manusear minha conta. Transferir para a poupança, checar saldo, etc.

Uma boa pá de tempo se passou e hoje faz mais de um ano e meio que carrego o mesmo talão de cheques – só uso quando realmente não há outra alternativa – e há anos pago todas as contas pela internet: luz, telefone, cartão de crédito. Minha interação presencial com o banco resume-se ao uso do caixa automático e só utilizo o bank fone quando alguma coisa muito grave acontece – falar com alguém pelo telefone também não me inspira tanta confiança quanto o silêncio inefável entre meu computador e eu.

Existem muitos como eu, tenho certeza. Quem diria que quando as empresas se eximiram de fazer tudo por nós dando-nos a opção de fazermos quase tudo por eles (pagando a mesma taxa por mês), os clientes não só perceberam que gostavam de ter aquele poder, mas também passaram a sentir-se mais seguros sem o relacionamento com atendentes? Eu não sei quanto a pessoas que nascem em cidades onde todo mundo adora fazer amizade, mas para mim e meus conterrâneos de Curitiba isso é lindo: poder fazer coisas sem ter que dar bom dia para ninguém.

Como muitos outros avanços tecnológicos que deram certo, no começo muita gente achava que esse negócio de auto-atendimento não ia vingar, que só alguns se adaptariam, dizia-se até que jamais seria possível confiar numa máquina como numa pessoa. E hoje em dia estamos aí, sem sequer sabermos o nome do gerente da nossa agência (e precisa?).

Pessoas um pouco mais novas do que eu nem viram essa transição acontecer. Para milhões de indivíduos nascidos em meados de 80-90 o banco é um pedaço de plástico, um computador e uma caixa enorme com dinheiro dentro. Posso até dizer que para muita gente ficar em pé numa fila para pedir que outra pessoa faça um depósito, uma transferência ou um saque é uma experiência totalmente desconhecida, desnecessária e, quem sabe, um tanto tola.

Não é incrível? Em um intervalo de pouco mais de dez anos uma revolução ocorreu no comportamento do consumidor – uma das coisas mais complicadas de se mudar e que as empresas dificilmente conseguem controlar. Assim, percebemos que ao invés de agirem como totais reféns do consumidor, com a tecnologia as empresas têm o poder de quebrar paradigmas e causar uma reviravolta nos conceitos e formas de ver e agir dos seus clientes.

É claro que o consumidor continua sendo quem determina se uma inovação vai para a frente quando a aceita ou não, mas boa parte da responsabilidade sobre a mudança de valores ocasionada por tal novidade pode ser creditada à empresa que aposta na idéia e a lança no mercado.