Falando de Marketing

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quarta-feira, outubro 04, 2006

Se o serviço é tão importante, por que continua sendo tão ruim?

Um dia desses uma colega sugeriu que eu escrevesse sobre a ineficácia generalizada que a prestação de serviços apresenta ao consumidor final.

A idéia pareceu-me boa, pois diariamente observo falhas no atendimento que recebo na farmácia, na agência de turismo, no banco, no restaurante... Enfim, praticamente em empresas de todos os ramos que atendem minhas mais diversas necessidades de reles mortal.

Na mesma semana que recebi tal sugestão, li uma notícia da
1to1 Magazine sobre uma pesquisa da NFI Research, mostrando que mais da metade dos 299 executivos entrevistados disseram que o serviço ao consumidor é a melhor vantagem competitiva atualmente (53,3%), sendo que 50,2% acreditam que em dois anos isso continuará sendo verdade.

O resultado dessa pesquisa faz todo sentido, afinal quando praticamente ninguém está executando bem uma certa atividade do negócio, quem conseguir fazê-lo terá vantagem sobre a concorrência. O que espanta, entretanto, é uma área como essa ser considerada “diferencial”. Ora, o serviço é crucial para a boa experiência do cliente. Todo mundo sabe como é perigoso apostar em produtos ótimos se o serviço para vendê-los é péssimo. Ninguém consegue se sustentar assim por muito tempo, pois não terá motivos para fidelizar. O cliente poderá continuar comprando porque o produto é realmente extraordinário, mas fará de tudo para evitar qualquer contato com a empresa, impedindo que ela consiga expandir suas ações de relacionamento. E sem contar que o surgimento de cópias ou similares é apenas uma questão de tempo, simplesmente porque, grosso modo, produtos se copiam, serviços não.

É engraçado como desenvolver um produto novo é muito mais difícil do que criar um novo serviço. Mas na hora de copiar, é bem mais fácil reproduzir um produto do que reproduzir um serviço. Isso deve-se basicamente à intangibilidade do serviço. Prestar um bom serviço, diferente e especial, requer um cuidado com detalhes que, à vista do concorrente, não é muito fácil de identificar. Já para imitar um produto, basta obter uma peça e ver como ela foi feita. Está ali na sua frente tudo que você precisa saber. Obviamente há exceções – como a fórmula secreta da Coca-Cola - e diferentes níveis de complexidade para se copiar um produto, mas a questão é que a partir do momento em que ele existe fisicamente, fica muito mais fácil de ver como foi criado, porque ele é concreto, completamente tangível, você pode ver, tocar, cheirar, provar, usar.

Já o serviço é abstrato. Você não pode tocá-lo nem cheirá-lo. Para o sucesso do serviço, ele precisa ser bem prestado por um ser humano que inevitavelmente faz as coisas de um jeito único e causa impressões diferentes em cada pessoa com quem se relaciona. Esse é o ponto crucial do serviço. Não há como uma empresa controlar o humor de seus funcionários, as casualidades de suas vidas, seus problemas com familiares, amigos, namorados. E isso fatalmente afeta a qualidade de seu atendimento ou relacionamento com o cliente em um dado dia. É claro que existem esforços para estruturar os processos da prestação de serviços por meio de modelos (como a ISO, por exemplo), mas no frigir dos ovos o atendimento continua dependendo da paz de espírito das pessoas envolvidas para que corra bem.

Ao mesmo tempo, curiosamente, as empresas que vimos obter sucesso na extração de toda a personalidade do indivíduo-colaborador acabaram estragando a experiência ainda mais. Alguns serviços de fast food ou centrais de atendimento de companhias telefônicas, por exemplo, fazem muitos clientes tremerem de nervoso e de raiva tamanha é a estupidez com que são atendidos. As pessoas que lá trabalham são treinadas para agir feito robôs, não pessoas. E isso incomoda ainda mais o cliente, pois ele percebe que a atenção não é personalizada, não é direcionada a ele, é apenas um padrão definido pela companhia. E aí tudo torna-se falso aos seus olhos, criando desconfiança e irritabilidade, especialmente se ele precisar de algo um pouquinho diferente do usual.

Mas então se a simpatia exagerada não funciona e a impessoalidade irrita, o jeito é trabalhar com seres humanos mesmo e investir nas relações pessoais reais, correndo o risco de constantemente alternar os níveis de qualidade no atendimento devido a possíveis diferenças de humor dos atendentes e dos atendidos. Assim, voltamos à questão que inspirou todo esse raciocínio: por que parece ser tão difícil oferecer um serviço que preste?

Acredito que seja porque as empresas extrapolaram sua análise sobre o que é prestar um serviço de qualidade. Claro que a análise, o estudo, a teoria auxiliam imensamente no desenvolvimento da prática do marketing de serviços, mas talvez as pessoas tenham superanalisado a coisa. Não tem tanto mistério assim! O que o povo quer? Ser bem atendido. O que é ser bem atendido? Ter suas expectativas realizadas. Quais são suas expectativas? Olha, deixando de lado as especificidades de cada serviço, corrijam-me se eu estiver delirando, mas acho que as expectativas principais de um cliente são sempre as mesmas: respeito, interesse, agilidade e comprometimento.

Vejamos um exemplo prático: você entra em uma farmácia. Quer comprar um remédio, passar no caixa e ir embora. O que você espera desta experiência? Ser notado ao entrar na loja, ser cumprimentado por um atendente, obter o produto que procura, preferencialmente ganhar um desconto, ser direcionado ao caixa, realizar o pagamento de forma ágil e descomplicada e ir embora.

Agora vejamos como a situação realmente ocorre: você entra na farmácia. Ninguém vê você, ninguém olha para você, todo mundo finge que não viu você. Legal. Aí você tem que pegar uma senha no balcão (nossa, desde quando atendimento em farmácia virou fila de banco?) e esperar. A pessoa finalmente reconhece a insignificante existência do seu ser e diz o enigmático, porém enfático “Pois não?”. Você pede o produto. A pessoa não entende o nome do produto e solta um educado “Quê?”. Você repete. Soletra. Explica para que serve. “Aaahn...”. Ela vai olhar na prateleira. Demora, desaparece. Retorna dizendo que tem o produto, mas numa quantidade diferente da que você precisa. Ótimo. Você leva e corre para o caixa. Nem pede desconto porque só quer ir embora. Depara-se então com a fila do caixa. Interessante. Primeiro você usa uma senha, depois pega uma fila... muito inteligente. Chega a sua vez no caixa e a pessoa registra seu produto mas fica conversando com o indivíduo do caixa ao lado. E você ali. Esperando. A pessoa nem olha nos seus olhos. Você paga. A simpática pessoa diz que não tem troco e oferece uma bala. Legal. A esse ponto, você aceita a bala e foge da farmácia. Ficar doente realmente dói demais. Não tanto pela doença em si, mas por ter de passar por isso toda vez que se precisa de um remédio.

O que faltou nesse serviço para que ele atendesse às suas expectativas? Respeito - ser notado ao entrar; interesse – ser educadamente perguntando sobre suas necessidades e tê-las atendidas; agilidade – rapidez no atendimento e na hora de pagar; comprometimento – perceber que a pessoa que lhe atende conhece o que vende, compreende suas necessidades de cliente e tem interesse em vender-lhe satisfatoriamente, para poder atender-lhe mais e mais vezes. Convenhamos, não é nenhum cálculo de derivadas.

O mesmo, ou pior, ocorre em serviços propriamente ditos: você precisa contratar um serviço de decoração para uma festa. Você liga, a pessoa não está ou diz que retornará depois. Ela não retorna. Você liga novamente, explica a situação, diz que não tem muito tempo e precisa de um orçamento na mesma semana. A pessoa agenda um horário para tratar disso pessoalmente e não dá mais detalhes pelo telefone. Você enfatiza que tem outros compromissos e precisa ser atendido no horário certo. “Sem problemas.” Você chega ao local na hora. A pessoa não está. Quem lhe atende pergunta seu nome duas vezes e faz uma cara de nunca ter ouvido falar de você. Ótimo. Você acaba sendo atendido por uma pessoa diferente de quem agendou o horário, tendo de explicar tudo de novo, desde o começo. Legal. Falando sério: o que é que custa ligar desmarcando? O que é que custa repassar as informações para outra pessoa atender-lhe propriamente? O que é que custa dar atenção, mostrar respeito, interesse, agilidade e comprometimento ao cliente? Por favor, alguém me explique onde está a dificuldade.

Em um caso como este último, falta apenas organização. Um prestador de serviços organizado consegue proporcionar a percepção de todos esses quatro itens.

Disso tudo, portanto, só consigo concluir que às vezes falta aos estrategistas voltar ao básico, tirar o foco de estratégias pós-modernas no estado da arte e dar atenção para o feijão com arroz. Só depois de consolidar um serviço básico bem prestado é que se deve dedicar-se à implementação de estratégias mais complexas, visando então complementar as premissas fundamentais do serviço, sem nunca substituí-las nem tampouco deixá-las de lado.